BICAMPEÃ PAN-AMERICANA E BRONZE DO MUNDIAL DE 1971, FALA SOBRE SUA TRAJETÓRIA NO BASQUETE E ANALISA CENÁRIO ATUAL
Por Daniel Nápoli
Nascida em Buenos Aires, na capital da Argentina, no dia
13 de maio de 1942, Norma Pinto de Oliveira, a Norminha sem dúvida nenhuma é um
dos maiores nomes do basquete feminino do Brasil.
Ao Momento do Esporte, a bicampeã dos Jogos
Pan-Americanos (Winnipeg-1967 e Cali-1971), além do hexacapeonato
sul-americano (1965, 1967,1968, 1970, 1972 e 1974) e do bronze na Copa do Mundo
de 1971, comentou a respeito de sua vitoriosa trajetória no esporte, pandemia e
situação do basquete feminino no país, atualmente, além é claro de falar sobre
o documentário “Mulheres a cesta”, em que participa com ricos depoimentos.
Início
Filha de pai brasileiro e de mãe argentina, Norminha veio
para o Brasil, aos 13 anos de idade, para morar na cidade paulista de Jacareí,
no Vale do Paraíba. Foi lá, que dois anos mais tarde, nas aulas de educação
física, no ginásio, que descobriu sua grande paixão.
“Aos 15 anos de idade, tive professores muito bons, Dona
Rudyl e Seo Juvenal Soares, um casal que dava por etapas todas as modalidades e
quando deu o basquetebol eu adorei”, recorda.
Norminha comenta. “E teve um detalhe: a minha professora
disse que dentro de um ano eu estaria na Seleção Brasileira. Essa foi a minha
motivação, a minha própria professora (Rudyl).
Foi a partir daquele incentivo, que Norminha iniciou sua
trajetória no basquete, tendo o esporte em seu DNA, já que seu pai era boxeur e
corredor e sua mãe, tenista. “Em 1958, fui convocada para representara cidade
(Jacareí), nos Jogos do Vale do Paraíba, em São José dos Campos e nesses jogos
tinha um olheiro da Federação (Paulista) e técnico, “Seo” Orlando Valentim, que
foi falar com minha mãe que queria que eu jogasse no Ipiranga, em São Paulo.”
Embora sua mãe tenha recusado no início, após insistência
do técnico, Norminha (acompanhada de sua mãe), saía de Jacareí três vezes por
semana, para ir treinar em São Paulo (70 Km de distância), por 40 minutos e
retornar para casa.
A “maratona” foi um verdadeiro teste de resistência de acordo com a ex-armadora. “O primeiro (ônibus) era de Jacareí a São Paulo, quando parávamos na ‘Praça da Sé’, de lá pegávamos um outro ônibus até o Ipiranga. O terceiro, pegávamos ao final do treino, até a agência da Pássaro Marron, na Avenida Rio Branco, para retornar a Jacareí”.
Em algumas oportunidades, a ‘maratona’ tornava-se ainda mais cansativa, quando se perdia o horário do ônibus da volta. “Quantas vezes minha mãe e eu dormimos sentadas naquela agência, esperando o primeiro ônibus da manhã para a nossa cidade. É que eu treinava mais do que o nosso horário apertado permitia e perdia a última condução da noite e minha mãe, super-mãe, sempre de bom humor, me incentivando”, relembra.Por clubes, Norminha que tinha outros cinco irmãos,
passou ainda pelo antigo Votorantim de Sorocaba, Flamengo e São Caetano, clube
pelo qual se aposentou.
Seleção
Brasileira
Mas antes disso, brilhou e muito na Seleção Brasileira, fazendo história. Assim como sua professora previa em 1958, em um ano, Norminha estaria na seleção. Porém, contou com um obstáculo.
“Em 1959 fui
convocada para o Pan de Chicago e fui treinar, mas no treinamento eles pediram o
documento e verificaram que eu era argentina de nascimento e não era
naturalizada, daí fui cortada. A Confederação se interessou por mim e na época
o trâmite era muito demorado, me pediram os documentos, agilizaram e em quatro
meses eles conseguiram a minha naturalização”.
Com sua situação regularizada, Norminha então foi
novamente convocada em 1960, para a disputa do Sul-Americano. “Eu era muito
nova e fui como 12ª jogadora e no terceiro jogo eu entrei e não saí mais. Fui
considerada a revelação da competição. E
a partir disso fui convocada até encerrar a carreira, sempre como titular.
De 1960 até 1975, Norminha ao vestir a camisa da Seleção
Brasileira, ajudou a colocar o Brasil no mapa do basquete mundial, com os dois
ouros no Pan, além de uma prata na mesma competição (São Paulo-1963), dos
títulos sul-americanos e o bronze na Copa do Mundo, a ex-atleta disputou ainda
os Mundiais de 1964, 1967 e 1975.
Para
a história
O reconhecimento internacional de Norminha e sua geração, teve início em 1965, quando a Seleção Brasileira foi convidada pela FIBA (Federação Internacional de Basquete) para amistosos contra a Tchecoslováquia (atual República Tcheca), em Madri, na Espanha, que serviu como teste para a inclusão do basquete feminino em Jogos Olímpicos.
A disputa entre uma equipe versátil (Brasil) contra outra
de força física, não só funcionou como teste, como as atletas brasileiras
encantaram ao ponto da modalidade ser inclusa nos Jogos Olímpicos
de Montreal-1976, só ficando de fora de Cidade do México-1968 e Munique-1972,
por existir uma lista anterior de inclusão de modalidades.
Com isso, a geração da ex-armadora, acabou não tendo a
oportunidade de disputar as Olimpíadas, porém entrou para a história por ter “preparado
o terreno” para as gerações seguintes, sendo de suma importância.
Além de possuir um grande talento, Norminha tinha um
condicionamento físico de destaque. As suas marcas obtidas nos treinamentos
acabaram servindo de parâmetro para os vestibulares da Faculdade de Educação
Física da USP (Universidade de São Paulo). Além disso, durante os treinamentos
da Seleção Brasileira, o restante das atletas tinha exigido somente 70% do
rendimento de Norminha, tamanho era o seu condicionamento.
“Sempre treinei mais e me dediquei mais. Tinha um
potencial físico muito grande. Com 38 anos, quando me aposentei, o meu condicionamento
era o melhor da seleção”, orgulha-se.
“Na realidade eu me
dediquei por muitos e muitos anos, no extremo do condicionamento, do esforço e
na época, tínhamos que trabalhar muito para nos sustentar (durante o dia) e a
noite íamos treinar, isso todos os dias, e no fim de semana jogava ou íamos
viajar. Nunca me preocupei com a hora que começava o treino e a hora que iria
acabar”, explica Norminha.
Aposentadoria
Mesmo ainda se destacando aos 38 anos de idade, Norminha decidiu se aposentar como jogadora. “Na medida em que foram passando os anos eu comecei a notar que eu me preocupava na hora que ia começar o treino e que horas que iria acabar. Nesse momento eu comecei a entender que a minha fase de jogadora estava chegando ao fim e foi isso mesmo que aconteceu”.
A ex-atleta comentou ainda como foi a comunicação de sua
decisão. “E eu decidi isso no meio de um campeonato estadual, quando estava no
São Caetano. Eu avisei meu técnico, Valdir Pagan Perez que a partir do segundo
turno do campeonato eu não mais iria jogar. Ele quase teve uma síncope, mas
perguntou se era isso mesmo que eu queria. Além de jogadora eu era a
preparadora física da equipe e continuei na função.”
Três meses após ter se aposentado como jogadora, Norminha
seguiu com o São Caetano, para os Jogos Abertos do Interior e recorda uma
passagem curiosa. “Fui inscrita como atleta, mesmo já tendo parado. Teve a
final contra Santo André e ele (o técnico Valdir Pagan Perez) para pressionar o
adversário, perguntou se eu podia colocar o uniforme e fazer o aquecimento. Concordei,
mas disse que não iria jogar”.
Norminha segue comentando sobre a decisão. “Fiquei no
banco, fomos para a prorrogação, com jogadoras com cinco faltas, vi nosso time
perder, mas não entrei. Quase infartei, mas foi uma decisão que tomei, para que
não acontecesse comigo o que muitas vezes vi acontecer com outras jogadoras que
chegavam a uma faixa etária falavam que
estavam velhas, que já não estavam jogando bem e eu nunca quis isso.”
Pós-quadra
Depois de se aposentar, Norminha disputou uma competição máster dois anos depois. “Fui campeã e depois não quis mais saber de jogar, mas continuei a ter contato como docente”, comenta a ex-atleta que deu aula de 1967 a 2018, seja em universidades, seja rede municipal ou estadual de ensino, se mantendo em contato com a modalidade.
“Sou muito grata, formei milhares de alunos, tive também
uma escola de ginástica, fiz curso de reabilitação cardíaca e exerci por 16
anos. Já trabalhei muito em minha vida. Agora sigo envolvida com o basquete, mas
de longe. Agora, sigo lendo muito, falo com meus amigos e acompanho as atividades
de neurociência para basquete”.
Pandemia
Norminha também falou a respeito de como está vendo a pandemia de Covid-19. “Uma uma coisa terrível que aconteceu, mas a humanidade estava precisando de uma parada total, pelo menos para reflexão de tudo, do fazer, do acontecer do ser mais humano, mais amigo, ser mais consciente da necessidade que o planeta tem”.
A bicampeã pan-americana prossegue. “A pandemia é um
negócio muito sério, pois afetou principalmente os idosos, bloqueando tudo o
que fazíamos. Espero que o mais breve possível apareça uma vacina para pelo
menos pausar um pouco tudo isso.
Basquete
Feminino atual
Ao fazer uma análise da situação atual o basquete
feminino, Norminha comenta. “Teve uma alta com o Pan (ouro no ano passado), com
uma mudança de técnico e de filosofia e conseguiu um resultado expressivo, mas
até que ponto? Em minha época o Pan era muito importante, porque era
classificatório (para mundial), agora as equipes que vão, principalmente a do
Canadá e EUA, mandam equipes universitárias e não sei até que ponto foi válido,
já que depois foram para o Pré-Olímpico Mundial e perderam para Porto Rico.”
Ainda analisando o atual cenário, Norminha não o vê com
otimismo. “Com essa pandemia o basquete feminino vai cair mais, vai ser difícil
resultado, não há trabalho de base e nem nas escolas. Era preciso fazer esse
trabalho para daqui há dez, 12 anos a gente tenha algo a nível mundial”.
“Mulheres
à cesta”
É claro que durante bate-papo com Norminha, não poderia
faltar o documentário “Mulheres à Cesta”, de Helen Suque e Silvia Spolidoro,
que nasceu de um livro de mesmo título, de autoria de Claudia Guedes, que
retrata todo o caminho percorrido pelas atletas em quadra, em uma sociedade que
via como afronta, a mulher praticando esporte.
Questionada sobre o documentário e a importância de sua
geração, Norminha fala. “Não acreditava que o meu grupo ou eu poderíamos
promover na nossa geração para o mundo. Tivemos muitas dificuldades em nossa
época. Não tínhamos visibilidade. Além disso, tínhamos na contramão um machismo
muito grande, pois achavam que ‘masculinazava’, não nos deixar conquistar
espaço na sociedade”.
A ex-armadora prossegue. “Naquela época, além das dificuldades
de não ser um esporte profissional e dificuldades de verba, problemas
familiares, extra-quadra, foi uma época muito difícil. Hoje se conseguiria
muito mais fácil. Eu muitas vezes pensei que nunca seríamos reconhecidas. Em
1971, só nossos familiares e amigos sabiam de nossos feitos e já tínhamos mais
de 200 jogos pela seleção, eu já era pentacampeã sul-americana, e bicampeã
pan-americana e ninguém sabia de nada”.
Norminha reforça a importância da união daquele grupo,
para o sucesso. “Essa relação de sororidade é discutida agora no século XXI,
mas, mas aquele grupo já tinha esse conceito. Foi um período maravilhoso, pois
tínhamos objetivos em comum, éramos uma família. Essa visibilidade que demos ao
Brasil foi pela união do grupo. Éramos uma família”, destaca.
Conselho
Norminha aproveita para aconselhar os atletas tanto do masculino e do feminino que estão iniciando suas trajetórias. “Muito trabalho e dedicação (sobre qual conselho gostaria de dar), mas está difícil conseguir atletas, pois só pensam em atletas de alto nível e não é assim. O esporte, tem que estar nas políticas públicas”.
A professora acrescenta sobre o assunto. “Tem que
procurar plantar sementes para o futuro. Tem um ditado de que quem planta
tâmaras nunca vai colher tâmaras, pois demora 100 anos para que possa ser
colhida. A sociedade precisa ter esse pensamento, para se investir nas escolas
para daqui há dez, 12 anos começar a colher esses frutos.
Agradecimento
Ao concluir a entrevista, Norminha aproveita para
agradecer. “Nunca tive tanta solicitação e carinho das pessoas como hoje. Eu
não tinha noção de como eram as coisas, a importância que tive no quadro
basquetebolístico brasileiro, minha alegria é poder deixar um lastro, mesmo que
seja tarde. Eu agradeço a todo mundo”.
Fotos - Gazeta Press/Divulgação
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